Complexo de Laboratórios da Embrapa muda perfil do agronegócio
Fortaleza. Não apenas reduzir a quantidade de resíduos sólidos gerados pela agroindústria, como dar uma destinação economicamente viável no seu aproveitamento. Além disso, oferecer novas alternativas de defensivos agrícolas, suprimindo os agrotóxicos, buscar novos compostos ativos para uso pelas indústrias farmacêutica e coméstica e, ainda, alternativas de fertizantes, que reduzam a dependência da agricultura para produtos importados e caros.
O uso de briquetes feitos com fibras de coco verde é um dos projetos em estudo pela Embrapa, que passou a contar com um aparelho de ressonância magnética para elucidação de moléculas fotos: alcides freire
Esse conjunto de objetivos parece fazer parte de um ideal para qualquer lugar do mundo, mas ganha uma dimensão muito maior no Brasil, onde sua economia tem uma forte sustentação no agronegócio. Pois, além de ser uma mera expectativa, é uma realidade que está sendo construída em Fortaleza, mais precisamente na Embrapa Agroindústria Tropical, localizada no Campus da Universidade Federal do Ceará (UFC), no Pici.
As metas estão estabelecidas com a implantação do complexo laboratorial que reúne o Laboratório Multiusuário de Química de Produtos Naturais (LMQPN), o Laboratório de Tecnologia da Biomassa e o Laboratório de Biologia Molecular. Os três equipamentos foram inaugurados no último dia 25 pela diretora-executiva da Embrapa, Vânia Castiglioni. O momento foi celebrado por parlamentares cearenses autores de emenda que resultaram no aporte de recursos através do PAC Embrapa, da ordem de R$ 4 milhões. Dentre os presentes à solenidade, estavam o titular da Secretaria do Desenvolvimento Agrário, Nelson Martins.
Dos R$ 13,5 milhões destinados aos laboratórios, R$ 2,5 milhões foram gastos para aquisição do equipamento de ressonância magnética nuclear, considerado um dos mais modernos para elucidação de novas moléculas. Novas bancadas e equipamentos que simulam projetos pilotos de processo de industrialização apresentam briquetes, formados por fibras de coco verde, gelatinas para uso de próteses, novas fragrâncias para a indústria cosméstica e, principalmente, o isolamento de alguns princípios ativos que podem ser utilizados como defensivos agrícolas.
Entusiasmo
A possibilidade de mudança do perfil do agronegócio no Brasil é festejado pelas novas tecnologias disponíveis, além dos recursos humanos voltados para a pesquisa e desenvolvimento.
O supervisor do laboratório Multiusuário de Química de Produtos Naturais, que é doutor em Ciência e Tecnologia de Alimentos, Flávio Pimentel, ressalta que há um estudo anterior de extração, isolamento de substâncias bioativas, que podem ser utilizadas como fungicidas e biopesticidas. Com isso, é muito provável um largo uso como defensivo agrícola, hoje utilizando de forma massiva agrotóxicos e com sérios danos ambientais, além de demonstrarem ineficácia. Ele cita inclusive o exemplo da mosca que ataca o melão. "O que se observa é uma crescente resistência da praga, o que leva a aumentar a quantidade do produto nas lavouras", disse o coordenador.
Para o chefe-geral da Embrapa Agroindústria Tropical, Vitor Hugo de Oliveira, "os novos equipamentos servirão como fundamento para a realização de pesquisas sobre aproveitamento integral e valorização de matérias- primas de interesse da agroindústria tropical, tendo em vista a sustentabilidade social, econômica e ambiental".
Ressalta que existe um amplo campo a ser pesquisado na área de uso de plantas naturais, inclusive próprias do bioma regional, que podem ser aplicadas como biopesticidas e fertilizantes, reduzindo, respectivamente, a agressão ao meio ambiente e os danos à saude humana, e diminuindo a dependência do Brasil nos produtos voltados para o agronegócio, um dos principais pilares da economia brasileira. Apesar de ser instalado no Ceará, os três laboratórios vão interagir com todas as unidades da Embrapa, além de pesquisas conjuntas com universidades brasileiras e estrangeiras e mais o setor privado.
Nesse campo, o perigo da biopirataria e os interesses de grupos multinacionais fazem com que a Embrapa seja cautelosa na divulgação de resultados. Tanto que não fala ainda da relação custo e benefício com o processos de industrialização das novas descobertas e nem sobre as iniciativas de patentes que venham a ser feitas pelos pesquisadores. Não obstante o sigilo necessário, não há dúvida entre os cientistas que os passos estão sendo dados na direção certa.
Estudos reduzem impactos ambientais
Fortaleza. Há menos de completar um mês, boa parte das metas da Embrapa Tropical está num processo avançado de pesquisa e desenvolvimento, uma vez que já vinha sendo implementada pela estrutura anterior com menos recursos materiais e que passam a despontar agora para uma rápida alavancagem.
As novas bancadas e mais os equipamentos disponíveis representam na geração de novos produtos e novos materiais, que na visão do professor e pesquisador Men de Sá significam um salto de 1000%, em comparação com os estudos anteriores
Pelo menos é essa a convicção de um dos coordenadores do Laboratório de Tecnologia da Biomassa, doutor em Engenharia de Produção, Men de Sá Moreira de Souza Filho. Ele observa que há resultados bem avançados na redução dos resíduos, como são os casos da manga, coco verde e da tilápia.
Os três produtos possuem alto índice de não aproveitamento comercial e com implicações em impactos ambientais, uma vez que contribuem para a destinação aos lixões e aterros sanitários como lixo orgânico.
No caso da manga, após extraída a popa, há uma perda industrial de 40% da biomassa, incluindo o caroço. Pois os pesquisadores descobriram nesse item uma substância fibrosa, existente na amêndoa, de onde se pode extrair o amido. Avançando nas pesquisas, constataram que o princípio ativo poderia ser um substitutivo de plástico, igualmente transparente, e com uma vantagem longe de ser pequena: é biodegradável.
Saturação
Os estudos também incluem o coco verde, que produz um acentuado índice de resíduos, contribuindo para saturações dos destinos finais. Men de Sá explica que há estudos consolidados para o aproveitamento da fibra na substituição do MDF, que é utilizado para painéis e divisórias de compartimentos, com a vantagem de maior resistência mecânica e menos permeável. Ainda com relação à fibra do coco, foram produzidos briquetes, como biocombustível sólido, com fins de alimentação de caldeira. O processo de industrialização ainda faz parte de um projeto piloto.
Outra pesquisa avançada é com relação à tilápia, peixe que possui um consumo acentuado no Ceará. O fato negativo são as perdas de 80% da biomassa, incluindo cabeça, escamas e vísceras, após extraído o filé. O produto imprestável se transforma em prestável, quando triturado e passado por avaliações laboratoriais. Assim se observam propriedades capazes de produção de celulose e gelatina, igualmente substitutiva do plástico e atendendo às demandas das indústrias de embalagens e, sobretudo, da microbiologia. Com isso, a pesquisa caminha no sentido de também se introduzir ossos, com a finalidade de próteses.
"Com a nova estrutura e com o potencial de gerar mais produtos, demos um salto de 1000%, se comparados com os estudos que antes havíamos empreendido", disse. Se há nesses três exemplos uma expectativa otimista na eliminação ou mitigação dos impactos ambientais e na substituição de derivados do petróleo que se projetam para o esgotamento das reservas, maior entusiasmo se dá na possibilidade real de se obter defensivos e fertilizantes naturais e eficazes.
Além disso, os fitoterápicos, que tiveram um destaque científico com a implantação da Farmácia Viva pelo professor Costa Matos, passam a ser ainda mais criteriosamente pesquisados.
Mais informações:
Embrapa Agroindústria Tropical
Rua Dra Sara Mesquita, 2.270 Planalto Pici
Fortaleza - CE
Telefones: (85) 3391.7100 e
(85) 3391.7101
REPÓRTER
MARCUS PEIXOTO