Ecomuseu reúne matrizes brasileiras

por Marcus Peixoto - Repórter
Casarão possui 11 cômodos, divididos em dois pavimentos. No seu interior, há objetos, como utensílios domésticos e indumentárias dos antigos habitantes. Mas a curiosidade maior é sobre a história de seus moradores ( Fotos: Kid Júnior )
A Igreja de São José foi construída sobre uma imensa pedra e conta-se ter sido uma exigência de Isabelinha, a última das mulheres do coronel Moura, para que desse fim a uma maldição que matava ainda jovens todas as suas esposas

Maranguape. As serras não têm contornos feios ou repetidos. O açude, que nunca seca, desdenha da necessidade de ser puro e cristalino. É abundante o bucolismo da mata e do espelho d'água. Porém, foi no entorno do casarão que se estabeleceu o núcleo formador e a história da comunidade de Cachoeira, a ponto de se perpetuar em um museu. Não da forma tradicional de como se reúne os objetos. Mas com um acervo formado, principalmente, da riqueza de suas matrizes culturais.

Neste domingo, o Ecomuseu de Maranguape, que é coordenado pela Fundação Terra e a própria comunidade, comemora o equipamento e as tradições do lugar, com o 4º Festival do Feijão Verde, em que haverá degustação, farinhada, apresentações de bumba-meu-boi e de trovas. A presidente da entidade, Nádia Helena Oliveira, relembra o passado da edificação com relatos de guerras de famílias, opressão racista e a Igreja buscando redimir o homem de seus pecados.

O evento, segundo Nádia Helena, é uma oportunidade de falar sobre o museu e os seus personagens. O equipamento surgiu com o casarão, construído no século XIX, onde giram verdades e mitos. Um enredo com muitas lacunas, suposições e incertezas. Porém, não menos intrigante.

Tudo começou com a presença de um descendente português se apossando de terras indígenas e formando um latifúndio com a força do trabalho do negro escravo. A mistura de tempo e espaço, poder e decadência, berço e túmulo é apresentada aos visitantes.

Briga de famílias

Como não há documentos escritos, boa parte da história é resgatada pela tradição oral. José de Moura Cavalcante era um filho de portugueses, que saiu de Icó para fugir de uma briga de famílias, envolvendo a sua, os Cavalcante, e os Albuquerque. O que desencadeou a fuga para a Serra de Maranguape é um dos primeiros mistérios. Ele matou alguém? Tirou a honra de uma alguma moça? Coisas que não se sabe, afinal os anos de 1830, quando se começou a construir o casarão, já são bem distantes. O segundo mistério é como adquiriu a terra. Há quem diga que comprou de uma índia. Mas por um valor justo seria inconcebível àquela época.

Maldição

Enquanto construía a casa com os negros escravos vilipendiados, casava-se com a primeira das três irmãs, que se sucederam a cada morte da antecessora. Fora Isabel, a última das mulheres, não são sabidos os nomes das duas esposas anteriores do coronel José de Moura.

De que mesmo as mulheres morriam? Sabe-se que eram ainda jovens, porém como diz Nádia Helena, é possível que naqueles tempos muitos óbitos ocorressem mesmo pela baixa longevidade. É factível também que houvesse uma doença hereditária na família, da qual as duas irmãs morreram e o coronel sobreviveu.

Foi a terceira das irmãs, Isabel, conhecida como Isabelinha, que determinou um fim para a maldição. Com medo de ter o mesmo destino das finadas, exigiu que o marido construísse uma igreja sobre uma pedra. Houve, de fato, o encerramento de um ciclo de mortes femininas. O velho coronel, que chegou a ser intendente de Maranguape, morreu primeiro, deixando dois filhos, sendo um adotivo. A briga pelo espólio continuou até que Isabelinha interveio mais uma vez na sina violenta da família e destinou metade da fazenda, de uns 300 ha, para cerca de 30 colonos.

Os fantasmas do passado vagueiam pelo imaginário, onde o sobrenatural pode ainda atuar por meio da mandinga dos índios e negros ressentidos e derrotados. Não foi na luta das trevas e a luz que as mulheres morreram e Isabel sobreviveu? Nádia Helena acredita que há quem faça essa especulação, mas seu trabalho se destina muito mais a tratar dos conflitos de terra, da história colonial e da maneira como essa pode ser lembrada em todas as suas vertentes.

Proposta

Com 11 compartimentos, divididos em dois pavimentos, a casa tem uma ventilação agradável, mesmo no sol das duas horas da tarde. No interior, ainda são guardados objetos antigos, como ferros de engomar, mesas, cadeiras e objetos pessoais do dono da casa, inclusive a única fotografia remanescente dentre todos os moradores.

O acervo é reconhecidamente limitado e comum. Contudo, Nádia Helena diz que a proposta é mantida na diretriz de museu comunitário do escritor francês Hugues de Varine, criador do conceito ecomuseu.

Para Varine, o museu comunitário é saído da comunidade e deve cobrar o conjunto do seu território, com vocação global ou integral. Ou seja, é um processo vivo que implica a população e não se preocupa com um público, que é, ao mesmo tempo, o centro e a periferia. A comunidade de Cachoeira, entretanto, se preocupa com o público e por isso não deixa passar em branco as datas festivas, como o Dia de São José, que dá nome à igreja e o Festival do Feijão Verde.

Assombração

A professora Alice Freire, moradora da comunidade, garante que a festa será um sucesso de público. Ela lembra que, além dos atrativos culturais, que interessam não apenas a moradores das adjacências, como Umarizeira, Jubaia e Tanques, como de outros municípios, que buscam entender e assimilar o êxito do Ecomuseu de Maranguape. "Há quem diga que é uma casa mal assombrada, e que existem ainda ruídos de correntes dos negros. A gente prefere achar que as pessoas chegam até aqui porque precisam compreender como a história evoluiu", afirma.

Marcus Peixoto

Bruno Prior é pintor, ambientalista e pastor protestante. Ele se envolve numa série de crimes, incluindo desde falsificação de quadros até lavagem de dinheiro. Por enganar um bispo evangélico para a construção de uma igreja no Red Light (Luz Vermelha), em Amsterdã, passa a ser alvo de uma caçada internacional. O dinheiro avaliado em milhares de euros é convertido em drogas e orgias.

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