Livro mapeia crises e saídas para seca no NE
Fortaleza. O Nordeste real e aquele que é visto, planejado, defendido e, às vezes, até reclamado em gabinetes oficiais, são distintos. Não se pode dizer sequer que foi por falta de esforço ou compromisso, mas os problemas decorrentes de anos seguidos de seca traduzem de forma mais clara o descompasso entre o que se buscou para a região e o que de fato tem representado no seu desenvolvimento.
A análise é do deputado federal Ariosto Holanda, que lança, nesta semana, o livro "Seca - Análises, Pressupostos, Diretrizes, Projetos e Metas para o Planejamento de um novo Nordeste". O trabalho é resultado de um esforço conjunto da bancada nordestina na Câmara Federal, em que foi o coordenador.
O livro apresenta as áreas mais críticas e saídas, que passam também pela influência dos parlamentares nordestinos na definição de recursos, especialmente do orçamento da União, para a região.
Para Ariosto Holanda, a ideia central da obra foi ir além do discurso tradicional que se ouve em tempos de seca, tais como o perdão de dívidas aos agricultores, aplicação de políticas assistencialistas e medidas paliativas de abastecimento de água para as populações. Apesar de reconhecer que as ações adotadas na realidade foram importantes para conter os conflitos no passado, como os saques nas áreas urbanas da cidade e o forte fluxo migratório, ainda são ineficientes para implementar uma política econômica de desenvolvimento para o Nordeste.
A partir de estudos do que já existe em termos de ações de convivência com o fenômeno das secas, os parlamentares que participaram da elaboração do livro fizeram um levantamento dos recursos hídricos na região. Foi observada a capacidade hídrica, funcionamento dos perímetros irrigados, índices de alfabetização no campo, atuação dos órgãos de desenvolvimento e a aplicação dos recursos provenientes do orçamento da União.
Constatações
Em quase todos esses itens, como observa o parlamentar, as constatações foram negativas. Dentre o que considera mais grave, inclui o alto índice de analfabetismo na região. Enquanto a média no País é de 7%, no Nordeste chega a 17%. Para Ariosto, esse é um dado emblemático da pobreza nordestina, uma vez que, ao mesmo tempo que se apregoa o aumento do Produto Interno Bruto (PIB), há uma queda considerável no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), uma vez que esse se baseia em parâmetros observados educação, saúde e renda.
Ariosto diz que questão social é agravada pela ausência de uma política econômica efetiva. "Se analisarmos as ações incentivo implementadas pela Sudene, verificamos que há uma concentração na Região Metropolitana. Ou seja, enquanto as capitais receberam indústrias, o Interior continua aguardando o ciclo das chuvas", observou.
Desperdício
Contudo, os dados coletados dos recursos hídricos continuam preocupantes. O documento aponta que 50% das águas armazenadas em barragens no Nordeste são desperdiçadas, especialmente pelo mau gerenciamento. Também foi verificada a existência de 78 perímetros irrigados, sendo que 45 são administrados pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), o restante mantido pela Codevasf. Contudo, a maioria não está ainda implantada.
Ele também criticou o modelo de instalação de poços, haja vista que 90% não atendem às populações rurais pela insalubridade. "Essa é uma questão fácil de se resolver, porque bastaria adquirir membranas de osmose reversa como é fortemente utilizada em Israel", diz. Porém, além de ser um implemento caro, há outras complicações no manejo dos dessalinizadores, por não haver preparo da mão de obra.
Aliás, a falta de capacitação é uma tecla batida ao longo de quase todos os comentários de Ariosto Holanda em torno das diretrizes adotadas no Nordeste. Daí que as alternativas sugeridas começam pela capacitação das populações na região. A questão central da obra é a definição de seca, que é tratada como um fenômeno físico, natural, atuando com frequência e regularidade no Nordeste. As observações históricas dão contam de que se repete de oito a dez vezes por século, podendo prolongar por três, quatro e cinco anos. O livro menciona dados da Sudene, que ao estudar o fenômeno no Nordeste no período de 1911 a 1981 observou que a sua incidência basicamente se deu no semiárido, atingindo 1.361 municípios e 76% da população nordestina.
Mais informações
Câmara Federal - Brasília
Deputado Ariosto Holanda
Telefone: (61) 3215.3575
www.psbnacamara.org.br
MARCUS PEIXOTO
REPÓRTER
Obra exige mais investimento
Fortaleza. Ao abrir o livro "Seca", o leitor não vai se deparar logo com avaliações técnicas, relatórios e gráficos. Já na terceira página, contudo, apresenta-se uma poesia de Luiz de Gonzaga e Zé Dantas, contornadas por duas fotografias emblemáticas da aridez sertaneja.
Fac-símile do estudo "Seca". A primeira edição, que contou com o apoio do Sebrae, teve uma tiragem de mil exemplares, mas o conteúdo está disponível em PDF
Ao recorrer ao poema ilustrativo da seca nordestina (arte acima), o deputado baiano Luiz Bassuma comentou que se pela ciência se supera o obscurantismo ou a superstição, é pela que arte que se toca o coração.
Porém, o aspecto técnico busca avançar no Nordeste moderno, onde existem gráficos, números e análises que tratam de erros e acertos nas políticas públicas para a região.
O livro segue um roteiro capitular onde estão descritos todos os procedimentos. Ao todo, são 10 capítulos, sendo que os procedimentos mais efetivos constam a partir do terceiro. Neste, a comissão parlamentar descreve o fenômeno da seca, os registros históricos e as medidas assistencialistas adotadas. No quarto, aponta ações importantes para melhorar a convivência com o fenômeno. Já no quinto capítulo, são apresentadas três contribuições importantes. No sexto, a relação dos reservatórios existentes no Nordeste. No sétimo, a política de irrigação, a importância e a situação dos perímetros.
No oitavo capítulo, são tratados os estudos das bacias hidrográficas, gestão dos recursos hídricos e da capacitação tecnológica, enquanto que no nono e no décimo, respectivamente, aborda-se sobre a definição de novas fontes de água por meio de adutora e barragens, preenchendo vazios hídricos e interligação de bacias e, ainda, o orçamento global por Estado para garantir a implementação das ações programadas.
A participação de órgãos e pessoas que, direta ou indiretamente, estão envolvidos com a problemática da seca foi decisiva para a finalização desse trabalho", afirmou Ariosto.
Com uma tiragem inicial de mil exemplares, a primeira edição contou com o apoio do Sebrae. Ariosto Holanda reconhece que é um número reduzido para se difundir todo o trabalho realizado pela bancada. No entanto, uma nova reunião nesta semana irá definir futuras edições e critérios para distribuição. No entanto, já está definida a disponibilidade dos conteúdos tanto no site da Câmara Federal, quando do parlamentar cearense. Após o lançamento, o livro será disponibilizado no site da Liderança do PSB na Câmara, em formato PDF : www.psbnacamara.org.br.
Plano
O livro tem a forma de Plano Livro, para entrar na ótica do Plano Trabalho, com projetos e metas bem definidas para todos os estados do Nordeste. A obra aborda aspectos como educação, ciência e tecnologia, pontuando os altos índices de analfabetismo, quanto crítica a ausência de tecnologia nos perímetros irrigados. "Ao analisar a situação dos perímetros de irrigação identificamos que eles precisam não só ampliar sua área cultivada, como também ser assistidos com programas de capacitação para o irrigante", disse Ariosto.
Para tanto, a ideia é que em cada perímetro haja capacitação para aqueles que irão manejar, bem como a instalação de laboratórios, que deverão ser assistidos e acompanhados pelas universidades e linkados com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Ele defende inclusive que haja cursos à distância. Por meio de consulta à bibliografia especializada, o livro incorpora ainda a contribuição de destacados estudiosos do problema da seca.
As propostas contidas no livro podem servir de base para adoção de políticas públicas voltadas para o real crescimento da região Nordeste e que impliquem, sobretudo, no seu desenvolvimento econômico e social sustentável e consequente elevação do IDH.